Por que se lê
Há uns dias, estava a ler um pouco sobre a vida de Shimon Peres, o ex-Presidente de Israel, e fiquei a saber que tinha o hábito de ler três vezes por dia. Lia de manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço, depois do almoço descansava a ler e não adormecia sem ler mais um pouco. Dizia que tinha herdado dos pais esse gosto pela leitura.
Eu não leio três vezes por dia como o ex-Prémio Nobel da Paz, mas tenho o hábito de, todos os dias, ler na cama antes de adormecer. Às vezes, o que me custa mesmo é deixar a história a meio para dormir.
Nisto, dei comigo a pensar onde adquiri o gosto pela leitura. Durante a minha infância, os meus pais não tinham o hábito de comprar livros e, por isso, na minha casa não havia o costume de ler. Mas foi na infância que adquiri este gosto, que devo, na verdade, a um engenheiro e empresário arménio: Calouste Gulbenkian.
Quando eu era criança, de 15 em 15 dias, parava num largo da minha aldeia uma enigmática carrinha que espalhava uma magia fascinante. Era a Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian. Tinha duas portas na traseira, tinha uns degraus na entrada e lá dentro havia muitos livros arrumados em prateleiras. Recordo-me perfeitamente das duas pessoas que vinham na carrinha: um senhor de meia-idade, que conduzia e ajudava na devolução dos livros anteriormente emprestados, e uma senhora muito simpática, que me perguntava coisas sobre os livros que eu lhe devolvia e que me ajudava a escolher mais dois para levar para casa. Tudo isto, gratuitamente.
Graças àqueles livros, viajei no tempo e por lugares fantásticos sem sair de Parada de Todeia.
O serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, prestado pelas 62 Citroen HY idênticas à que ia à minha terra, iniciou-se em 1958. Até 1998 tinha adquirido 9.027.716 livros e tinha sido requisitado o impressionante número de 171.043.341 livros!
Ao percorrerem o país, passando por cada uma das aldeias de Portugal, incluindo as ilhas, fomentaram o gosto pela leitura, contribuíram para o desenvolvimento dos conhecimentos gerais em matéria de análise e literacia. Provavelmente, à excepção da rede pública de ensino, ninguém fez mais pela educação dos portugueses do que a Fundação Calouste Gulbenkian.
A ida para o largo à espera da carrinha, a sua chegada e poder levar outros livros para casa é das mais gratas recordações que tenho da minha infância.
Por isso terei sempre uma dívida de gratidão para com Calouste Gulbenkian!