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alinhamentos

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Qui | 18.04.13

Cogumelo enganador

fcrocha

 

Um dia desta semana, ao final da manhã, fui à barbearia do costume cortar o cabelo. Enquanto aguardava pela minha vez, estava a olhar para o televisor, que se encontrava sintonizado na RTP1. Transmitiam a “Praça da Alegria”. Às tantas, João Baião, o apresentador de serviço, pede à Tânia Ribas, a outra apresentadora de serviço, para falar do “Cogumelo do Tempo”. Durante uns cinco minutos, a apresentadora da RTP1, juntamente com um hipotético médico brasileiro, falaram do tal “Cogumelo do Tempo”. Para quem nunca viu, trata-se de um produto químico, vendido em cápsulas, que, segundo os dois apresentadores, faz autênticos milagres: elimina toxinas, reduz o colesterol, previne os AVC, protege as células dos danos da radiação, trata a artrite, equilibra os níveis de açúcar nos diabéticos, previne reacções alérgicas, previne o aparecimento de Alzheimer e ajuda as pessoas a tornarem-se mais jovens. Tudo isto a troco de uns módicos 32 euros.

 

Digo-vos uma coisa: eu, se fosse idoso, estivesse em casa sozinho a ver televisão e me sentisse cansado, envelhecido e com saudades da minha juventude, ligaria para o número que mostravam no ecrã e mandaria vir umas 30 caixas da coisa.

 

Confesso que estes anúncios são dos que mais me chocam. Convencer os incautos que podem resolver quase todas as consequências do envelhecimento com um simples telefonema, é um crime.

 

Mas ainda mais grave é que este tipo de anúncios passa, descaradamente, na televisão pública e infringindo a lei. Senão vejamos: o Código da Publicidade, no n.º 1 do seu Artigo 8.º, diz que “a publicidade tem de ser inequivocamente identificada como tal, qualquer que seja o meio de difusão utilizado”. E o n.º 2 afirma que “a publicidade efectuada na televisão deve ser claramente separada da restante programação, através da introdução de um separador no início e no fim do espaço publicitário”. Ora, a venda do tal “cogumelo milagroso” é feita pelos apresentadores do programa, sem introdução de um separador. A única coisa que aparece de diferente é um símbolo pequenino no canto superior do ecrã que quer dizer, para quem souber, “autopromoção”.

 

Mas as ilegalidades não ficam por aqui. O Artigo 11.º da mesma lei diz que “é proibida toda a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, e devido ao seu carácter enganador, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários, independentemente de lhes causar qualquer prejuízo económico, ou que possa prejudicar um concorrente”. Um produto que é vendido através de um telefonema e resolve quase todos os problemas de saúde de uma pessoa idosa não é publicidade enganadora? Então é o quê?

 

Já o Artigo 22.º é peremptório: “É proibida, sem prejuízo do disposto em legislação especial, a publicidade a bens ou serviços milagrosos. […] Considera-se publicidade a bens ou serviços milagrosos a publicidade que, explorando a ignorância dos destinatários, apresente quaisquer bens, produtos, objectos, aparelhos, materiais, substâncias, métodos ou serviços como tendo efeitos específicos automáticos ou garantidos na saúde, bem-estar, sorte ou felicidade dos consumidores ou de terceiros, nomeadamente por permitirem prevenir, diagnosticar, curar ou tratar doenças ou dores, […] bem como alterar as características físicas ou a aparência das pessoas, sem uma objectiva comprovação científica das propriedades, características ou efeitos propagandeados ou sugeridos.” Um produto em que é prometido, para além da cura de diversas doenças, o rejuvenescimento das pessoas não se encaixa nestas características?

 

Que este tipo de publicidade passe nas televisões privadas é lamentável, que passe na televisão pública, que deveria ser a primeira a cumprir a lei, é criminoso. Para que serve a Defesa do Consumidor? Não servirá também para alertar para este logro?

 

Tem que haver regras mínimas que previnam situações enganosas e atentatórias dos direitos do cidadão consumidor. Já não bastavam os burlões que vão a casa dos idosos tentar enganá-los; agora, até a televisão pública tenta fazer o mesmo.

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